quinta-feira, 15 de março de 2018

Lançamento do livro!

Dia 22/03, início do outono de 2018!
Em Fortaleza, Teatro Celina Queiroz - Unifor
09:30



Release de lançamento do livro:

A Peregrinação das Folhas Caídas
André Kondo

Prêmio Vicente de Carvalho – UBE-RJ
Bolsa ProAC de Criação Literária

Gênero:                       Poesia
Páginas:                      88
Tamanho:                   16X23
Editora:                      Telucazu Edições
1.ª edição:                  2018 (outono)





Sinopse: É possível viajar milhares de quilômetros apenas com poesia? Ao vencer o Prêmio Unifor, com o livro “Cem pequenas poesias do dia a dia”, André Kondo recebeu, como parte do prêmio, uma passagem para visitar a maior biblioteca do mundo, em Washington. Por outro poema, ganhou o equivalente a US$ 500,00 em um concurso literário da Universidade Federal de São João del-Rei. Com esse dinheiro comprou um passe da Greyhound e viajou pelos Estados Unidos de costa a costa, de Nova Iorque a São Francisco, em uma longa peregrinação literária, que o levou a resgatar folhas caídas na varanda da casa em que Hemingway nasceu, no bosque em que descansam as cinzas de Jack London, pelas trilhas de Thoreau, Kerouac, Twain, Poe, Melville, Salinger e de tantos outros autores que moldaram a América e o mundo. Ao retornar, o poeta ainda recebeu a Bolsa ProAC de Criação Literária do Governo de São Paulo, para contar essa inspiradora experiência neste relato poético, cujas folhas provam que uma peregrinação de milhares de quilômetros pode (não apenas literariamente, mas também literalmente) ser realizada com poesia.

Sobre o autor: André Kondo é autor de vários livros premiados. Foi finalista do Prêmio Jabuti e recebeu mais de 250 prêmios no Brasil e no exterior. Filho de imigrantes japoneses, morou no Japão e na Austrália, sendo pós-graduado pela University of Sydney. Viajou por mais de 60 países em busca de inspiração, mergulhando na Grande Barreira de Corais no Pacífico, percorrendo trilhas no Himalaia, escalando um vulcão ativo na Guatemala, cruzando o Círculo Polar Ártico e os desertos de Gobi e do Atacama, navegando pelos rios da Amazônia e visitando os lugares mais sagrados e fascinantes do mundo: Jerusalém, a Grande Muralha da China, Petra, Machu Picchu, a Ilha da Páscoa, o Taj Mahal, os jardins de Lumbini, as pirâmides do Egito... “A Peregrinação das Folhas Caídas” é o seu segundo livro de poesia, que narra a sua aventura poética em busca dos grandes autores da América do Norte. Vive de literatura.



Serviço: Palestra e lançamento do livro “A peregrinação das folhas caídas”

Local: Teatro Celina Queiroz - Unifor - Av. Washington Soares, 1321

Horário: 09:30 às 11:00

Preço de capa: R$ 30,00 (atividade gratuita, compra opcional). A obra oferece sementes de sensitiva inseridas no livro, uma planta que possui folhas que se movem ao toque, sugerindo o aceno das folhas em peregrinação.



Informações: telucazu@gmail.com / www.andrekondo.com


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Muito obrigado a todos os que acompanharam a peregrinação das folhas caídas!

Até a próxima peregrinação!

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Folhas de Relva - Walt Whitman

          Ainda em Nova Iorque, quando os ponteiros se aproximavam da meia-noite, tive que aceitar o dia da partida. O que eu poderia fazer se ainda tinha tantos escritores que desejava visitar? Queria correr como um louco para vislumbrar o apartamento comunitário em que Burroughs e Allen Ginsberg dividiram na 419 West 115th St., ou o apartamento que Truman Capote comprou com os direitos autorais que recebeu pelo seu livro “A sangue frio”, na 860-870 U. N. Plaza. Quem sabe um dos vários endereços de E. E. Cummings, ou o de John Dos Passos na 11 Bank Street ou do outro John, Steinbeck, na 38 Gramercy Park N. (após ter abandonado a universidade em busca de seu sonho de se tornar um escritor). Quem sabe espiar o lugar onde Arthur Miller viveu com Marilyn Monroe na 444 East 57th St. Poderia ir para o famoso Chelsea Hotel na 222 West 23rd onde tantos escritores se hospedaram (bem como astros como Bob Dylan, Janis Joplin, Leonard Cohen, Jimi Hendrix, Sid Vicious e Nancy). Mas, se no início da minha viagem eu já não tinha muito dinheiro, agora, no fim, muito menos teria para me hospedar em um lugar assim. Ah, e também queria revisitar Ernest Hemingway, Edgar Allan Poe em um dos vários endereços (em todos eles, alega-se que ele escreveu “O corvo”),  Mark Twain... Por ora, eu havia passado diante do apartamento de J. D. Salinger na 300 East 57th Street, onde morou antes de se refugiar na pequenina Cornish. Queria seguir os passos de Holden Caulfied... Tantos fizeram de Nova Iorque o seu chão... 


          Eu já estava diante de uma construção de tijolos vermelhos na 307 West 11th, onde Kerouac revisou “On the Road” e escreveu parte de “Anjos da Desolação” no apartamento de sua namorada Helen Weaver. Naquele instante, eu já estava um tanto quanto cansado... E angustiado. Afinal, como eu poderia visitar tantos lugares em apenas uma madrugada? Pior, já estava em meu último dia na América e eu ainda não havia visitado a cidade de Camden, ainda não havia visitado o único museu que eu poderia frequentar sem problema, pois era um museu gratuito: a casa de Walt Whitman. Esta deveria ser a minha primeira visita na América, de acordo com o meu plano original (que mudou várias vezes na estrada), o local mais próximo de onde eu havia desembarcado no país. Mas, teria eu ainda tempo de encontrar Walt Whitman?


          Ali, desamparado pelos minutos que escoavam pelo ralo do peito, encontrei, jogado na calçada, um par de botas. Aquela visão me acalmou e fez brotar no meu rosto, como folhas de relva no orvalho da manhã, um sorriso. Sim, a simples e miserável imagem de um surrado par de botas abandonado teve esse poder sobre mim.
          Ali estava Walt Whitman...
          Pois para quem leu Folhas de Relva, a maior peça poética da América, pode bem entender o que digo. Na “Canção de mim mesmo”, Whitman começa declarando:

“Eu celebro a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você.

Vadio e convido minha alma,
Me deito e vadio à vontade... observando uma lâmina de grama no verão”

        A partir daí, com os versos sem qualquer métrica, como as folhas de grama assim o são, sem medida, irregulares e livres, nos vemos absorvidos pelo chão da América, de todos os cantos, pois ali mesmo em Nova Iorque Walt Whitman caminhou e deixou suas pegadas. E suas sementes se estenderam pelo gramado do Central Park, pelas fissuras de cada beco ou larga avenida, estendendo-se infinitamente até o oeste, o norte, o sul... Sem sequer me dar conta, a cada cidade americana que visitava, eu tinha visitado também a face de Whitman, pois nenhum outro foi capaz de escrever a alma da América como ele logrou realizar durante seus longos anos, muitos dos quais dedicando-se a cultivar a sua maior obra. E assim, desde a primeira edição em 1855 da misteriosa e lendária “Folhas de Relva”, sem ter revelado o nome do autor na capa, apenas com a enigmática figura de si mesmo, homem comum, prostrado diante dos ventos da mudança – que ele mesmo soprou, vieram as outras edições e suas folhas cresceram: 1856, 1860, 1867 – quando primeiro se pôde ouvir os versos: “O Captain! My Captain” – seguindo pelas edições de 1876, 1881, 1891 – que dizem ter sido a última... Mas não. Pois as folhas de relva continuam a crescer, não apenas nas vastas pradarias da América do Norte, mas também em todos os continentes nos quais as folhas vivas persistem.
          Pois, nos versos finais de “Canção de mim mesmo”, Walt nos revela:

“Me entrego à terra para crescer da relva que amo,
Se me quiser de novo me procure sob a sola de suas botas

Vai ser difícil você saber quem sou ou o que estou querendo dizer,
Mas mesmo assim vou dar saúde,
Vou filtrar e dar fibra a seu sangue.

Não me cruzando na primeira não desista,
Não me vendo num lugar procure em outro
Em algum lugar eu paro e espero você”.






Em breve, na primavera, o lançamento do livro virtual de poesia "A peregrinação das folhas caídas".

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O Profeta - Khalil Gibran





          Em Nova Iorque, caminhei até a 51 West 10th Street, em busca do profeta. Semanas antes, quando andava a esmo pelas ruas de Boston, onde a família de Khalil Gibran viveu seus primeiros anos na América após imigrarem do Líbano, eu já o procurava. Encontrei naquela cidade apenas o silêncio do bronze, em uma placa em sua memória. Mas foi em Nova Iorque que o barco buscou o profeta em seu retorno para a sua terra natal e era por isso que eu caminhava por aquela cidade, com a urgência de quem quer se despedir de alguém importante.
          Em 1931, Gibran partiu e, um ano depois, seu corpo descansou para sempre em um monastério no Líbano, onde suas palavras ainda proclamam: “Estou vivo como você, e eu estou de pé ao seu lado. Feche seus olhos e olhe ao redor, você me verá à sua frente”.
          Foi assim que encontrei o lar do profeta em Nova Iorque, na 51 West 10th Street. Diante de mim havia um grande prédio, de janelas simétricas e sem qualquer característica de ser, de fato, a casa de um profeta. Mesmo antes, quando o Studio Building ainda estava de pé, este sim, o prédio em que Khalil Gibran viveu até a morte e no qual, provavelmente, escreveu “O profeta”, eu não conseguiria enxergar qualquer traço de santuário. Sim, as paredes que abraçaram Khalil Gibran há muito não mais existiam. Mas, ainda assim, naquele lugar, viveu um profeta. E eu só consegui enxergar isso seguindo as suas palavras: “Feche seus olhos e olhe ao redor”.

Endereço do profeta
    
      E não é esta a magia de toda palavra? Naquela noite, silenciei todos os ruídos do mundo, pois queria ouvir somente as palavras de Gibran, lidas à beira-mar, na época em que eu morava em Caraguatatuba, com livros deste autor emprestados da pequena biblioteca da cidade. Li todos os volumes disponíveis de Khalil Gibran e a cada vez que eu os devolvia e retornava pela orla, eu parava por alguns instantes, para também observar o mar e ver se algum barco viria me buscar. Para onde? Eu não sei... O destino só se revela quando a viagem chega ao fim.
          Aquela noite, na cidade onde o profeta partiu, foi a última noite de minha peregrinação...



“E o que é cessar de respirar, senão livrar a respiração de suas incansáveis marés, que se elevam e expandem e buscam a Deus sem obstáculos? Só cantareis de verdade quando beberdes do rio do silêncio. E quando chegardes ao topo da montanha, só então começareis a subir. E quando a terra pedir os vossos membros, só então dançareis”.
(Gibran Khalil Gibran, O profeta)

Manuscrito de Khalil Gibran em exposição no Memorial da América Latina (2013)






Próximo capítulo: Folhas de Relva - Walt Whitman (31/08/2016)









quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Um bonde chamado desejo - Tennessee Williams


Retornei a Nova Iorque com as luzes da ribalta começando a brilhar. Cruzando as largas avenidas, indaguei-me se haveria palco maior no mundo do que aquele sobre o qual caminhava. O meu curto ato na América estava chegando ao fim. E ainda havia tanto atos que eu nunca veria…
Em minha angústia, olhei para a lista de endereços de grandes autores que viveram naquela cidade. O primeiro nome da lista era de um escritor que passou os seus últimos dias na Big Apple: Tennessee Williams, dramaturgo premiado com o Pulitzer. O endereço? O Hotel Elysée.



Meu desejo, na verdade, não era em absoluto chegar àquele hotel. Eu queria me dirigir a St. Peter Street, 632 em New Orleans, onde Williams começou a escrever “Um bonde chamado desejo”. Mas eu não teria tempo, nem dinheiro, para percorrer os vastos territórios do sul. Então, eu interpretava uma mágica presença, assim como fiz durante toda a minha peregrinação literária. Afinal, ter visitado o local de nascimento de Hemingway teria me dado os céus da Espanha ou o mar? Ler a imóvel lápide de Jack Kerouac teria me dado o constante movimento deste autor por todas as estradas da América? O que haveria de Tennesse Williams no Hotel Elysée, onde suas palavras encontraram o fim?
Eu encontraria muito mais desses autores nas obras enfileiradas na biblioteca da minha própria cidade do que eu jamais poderia fazer na América. Só que eu queria tentar encontrar mais sob as estrelas das bandeiras americanas, que tremulavam debaixo das reais estrelas ofuscadas pelo artificial brilho da metrópole. Eu buscava essa ilusão de que, ao caminhar pelas ruas de Nova Iorque, eu estaria lendo capítulos que nunca foram escritos por todos estes cuja morte encerrou a possibilidade de novos atos de criação… Apenas, ilusão?
Até o nome “Tennessee” é “falso”, pois seu verdadeiro nome foi Thomas Lanier Williams III, filho de uma família instável, mergulhado em uma realidade que o levou a comentar: “Descobri na escrita uma fuga de um mundo real no qual me sentia profundamente desconfortável”. Fuga. Era isso o que eu tentava empreender durante a minha longa jornada. Uma fuga dessa tal realidade para me entregar apenas à boa ficção. Uma mentira? Assim como o nome de Thomas, que escolheu carregar o nome Tennessee por ter vivido dois anos felizes nesse estado americano? Por que não escolher nossos próprios enredos até o ato final, que não pode ser escolhido?
Tennessee Williams morreu engasgado com a tampa de plástico de um remédio. Quem imaginaria um fim assim? Ao chegar diante do hotel em que ele passou a sua última noite, eu sabia que não poderia dormir ali. E nem desejava isso. Queria passar a noite acordado, desperto, para não perder nenhum instante, assim como quem não consegue parar de ler até chegar ao fim de uma boa história. Tentei imaginar enredos por trás das janelas acesas daquele hotel. Imaginei o fim de Tennessee, que, mesmo tentando fugir da realidade, não conseguiu deixar que ela o seguisse até em sua ficção, inspirando-se em sua irmã, que seria lobotomizada, e tantas pessoas reais com quem viveu suas mentiras não escritas.
Na história de Tennessee há realmente um bonde chamado Desejo…
Se embarcássemos nele, acredito que cada um de nós acabaria em um destino diferente. Qual seria o seu?


Próximo capítulo: O profeta - Khalil Gibran (17/08/2016)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Harmonium - Wallace Stevens


               Pela América, visitei autores com biografias incríveis, aventureiros, seres que moveram milhares de pessoas a novas formas de pensar, a revoluções... Na própria Hartford, busquei o grande Mark Twain e Harriet Beecher Stowe, a mulher que com o seu livro “começou” a Guerra Civil Americana. Mas, antes de partir dessa cidade, decidi ainda visitar a casa de Wallace Stevens, justamente pela sua biografia: 1879, nasce em Reading; 1901, ingressa na Faculdade de Direito; 1909, casa-se com Elsie Viola, com quem tem uma filha, Holly Stevens; 1916, entra para a Companhia de Seguros Hartford, onde trabalha até morrer, em 1955. Não parece uma vida muito inspiradora, certo? Mas, então, como ele foi capaz de escrever obras poéticas tão fortes, chegando a receber o Prêmio Pulitzer e o National Book Award? Tentei descobrir isso, refazendo o mesmo caminho que Wallace Stevens repetiu por anos a fio, da sua casa até o trabalho na Seguradora.
               Propositadamente, caminhei sem prestar atenção à minha volta, até chegar à casa de Wallace. Por que fiz isso? Para não “cansar” a minha vista, pois isso poderia interferir em meu olhar durante a caminhada poética. Pois não é isso o que nos impede de apreciar o que temos à nossa volta? Quando já estamos tão cansados de ver as mesmas coisas, que passamos a não enxergá-las mais? Entramos no modo automático do cotidiano. Mas não para quem consegue manter o olhar de poeta...
              Ao chegar à casa de Wallace, de tábuas brancas, contornos simples, telhado inclinado preparado para a neve, senti a tentação de tocar a campainha, explorar o seu interior. Mas eu não poderia fazer isso. Não era pelo fato da casa estar fechada ao público, por ter se tornado o lar de outra pessoa que não Wallace. Não. O que me impediu foi a lembrança destes versos:

O leitor tornou-se o livro; e a noite de verão”



Imaginei Stevens em um dos cômodos da casa, mergulhado no silêncio e na calma do seu próprio mundo. Eu não poderia perturbar esse momento. Eu lia a casa, em silêncio, como deveria ser. Após absorver toda a tranquilidade daquele lar, estava já preparado para a minha caminhada. Ao longo da rota, havia trechos do intrigante poema “Treze formas de olhar um melro”, gravados em blocos de granito. Sempre preferi a leitura desse poema ao contrário, da última estrofe para a primeira. Assim, iniciei com os versos da 13.ª estrofe (aqui já traduzidos por João Moura Junior):

“A tarde toda era um fim de tarde.
Nevava
E ia nevar.
O melro estava assentado
Nos galhos do cedro”.





               A cada passo, tentava absorver a essência do caminho. Vi o carteiro trazendo o mundo para uma casa sem muros, um esquilo atravessando a rua, folhas multicores, a relva e a calma. Não havia nada de extraordinário pelo caminho, mas, de qualquer forma, sentia-me como um aventureiro que desbravava um novo mundo! Pode parecer exagero, mas não. E não era pelo fato daquele ser o caminho que Stevens percorria para o seu trabalho. Era pelo simples fato de que eu estava totalmente imerso no caminho, como se cada folha e pedra me pertencesse, não da forma como costumamos pensar em “propriedade”, mas um pertencimento atávico, que me trouxe a lembrança do dia em que me perdi na minha própria rua onde eu morava, criança que era, seguindo uma folha carregada pela chuva recém-caída... Eis a poesia, voltar a ter olhos de criança...
               E assim cheguei, ao fim da jornada, com estes versos, a primeira estrofe:






“Entre vinte montanhas nevadas
A única coisa a mover-se
Era o olho do melro”





               Sim, para ser poeta, não é preciso ser grande, escalar as maiores montanhas em busca de inspiração. Creio que basta focar o olhar no próprio quintal da alma, e encontrar o mundo que lá existe...
              

               

quarta-feira, 6 de julho de 2016

A Cabana do Pai Tomás - Harriet Beecher Stowe


               Apenas alguns passos da casa de Twain e eu já estava na casa de Harriet Beecher Stowe, a escritora a quem o presidente Abraham Lincoln disse: “Então você é a mulher que escreveu o livro que começou esta grande guerra”. Ele se referia à Guerra Civil Americana (1861 a 1865), que teve como origem a questão da escravidão, com os estados do sul defendendo-a para suprir mão de obra para suas extensas plantações e os estados do Norte defendendo a sua abolição.
               Mas será que um livro tem realmente esse poder sobre a guerra e a paz? Resolvi ler “A Cabana do Pai Tomás” para descobrir. A história é de fato comovente, mostrando a crueldade da escravidão,  já começando com o difícil diálogo sobre a venda de dois escravos: Tomás e um garoto, filho de uma escrava. Enquanto o primeiro se entrega ao destino proposto pelo seu dono, a escrava foge com o filho... É impossível não desejar de todo coração que estes personagens consigam a liberdade...
               De todas as frases que me marcaram nesta obra, talvez a mais forte seja:

               “Não se pode transformar um homem numa coisa”.


               Enquanto caminhava pelo tranquilo quintal da bela casa de Stowe, imaginei o conforto em que ela viveu. O conforto pode muitas vezes nos turvar a visão. Acomodar a alma... Mas, então, por que Stowe não se acomodou? Por que, pelo contrário, incomodou a muitos? Sim, incomodou, pois confrontou a todos com a horrenda realidade da escravidão, incitando com suas palavras uma necessária mudança, que de fato aconteceu. Aconteceu?
               Enquanto a guerra era travada, Lincoln assinou o ato de emancipação, abolindo a escravidão, em 1863, onze anos depois da primeira edição de “A cabana de Pai Tomás”, originalmente publicada em capítulos em um jornal abolicionista. Mas por que mesmo depois de um século, sob o memorial erigido para homenagear aquele mesmo presidente Lincoln, Martin Luther King ainda “sonhava” que um dia seus filhos viveriam em uma nação onde não seriam julgados pela cor da pele, mas pelo caráter?
               E hoje? Este sonho já se tornou realidade?
               Palavras, como as do livro de Stowe ou as do discurso de Luther King, podem sim nos inspirar e mudar o mundo... Mas de nada adiantam se nada sentirmos diante delas... Pois, ao contrário do que Stowe escreveu em seu livro, é possível sim nos tornarmos coisas. Pois apenas as coisas não se incomodam com nada e nada sentem diante das injustiças deste mundo...
               Sejamos, pois, humanos...




Próximo capítulo, 20/07: Ficção Suprema - Wallace Stevens.