Pela
América, visitei autores com biografias incríveis, aventureiros, seres que
moveram milhares de pessoas a novas formas de pensar, a revoluções... Na
própria Hartford, busquei o grande Mark Twain e Harriet Beecher Stowe, a mulher
que com o seu livro “começou” a Guerra Civil Americana. Mas, antes de partir
dessa cidade, decidi ainda visitar a casa de Wallace Stevens, justamente pela
sua biografia: 1879, nasce em Reading; 1901, ingressa na Faculdade de Direito;
1909, casa-se com Elsie Viola, com quem tem uma filha, Holly Stevens; 1916,
entra para a Companhia de Seguros Hartford, onde trabalha até morrer, em 1955.
Não parece uma vida muito inspiradora, certo? Mas, então, como ele foi capaz de
escrever obras poéticas tão fortes, chegando a receber o Prêmio Pulitzer e o
National Book Award? Tentei descobrir isso, refazendo o mesmo caminho que
Wallace Stevens repetiu por anos a fio, da sua casa até o trabalho na
Seguradora.
Propositadamente,
caminhei sem prestar atenção à minha volta, até chegar à casa de Wallace. Por
que fiz isso? Para não “cansar” a minha vista, pois isso poderia interferir em meu
olhar durante a caminhada poética. Pois não é isso o que nos impede de apreciar
o que temos à nossa volta? Quando já estamos tão cansados de ver as mesmas
coisas, que passamos a não enxergá-las mais? Entramos no modo automático do
cotidiano. Mas não para quem consegue manter o olhar de poeta...
Ao
chegar à casa de Wallace, de tábuas brancas, contornos simples, telhado
inclinado preparado para a neve, senti a tentação de tocar a campainha,
explorar o seu interior. Mas eu não poderia fazer isso. Não era pelo fato da
casa estar fechada ao público, por ter se tornado o lar de outra pessoa que não
Wallace. Não. O que me impediu foi a lembrança destes versos:
O leitor tornou-se o livro; e a noite de verão”
Imaginei Stevens em um dos cômodos da casa, mergulhado no
silêncio e na calma do seu próprio mundo. Eu não poderia perturbar esse
momento. Eu lia a casa, em silêncio, como deveria ser. Após absorver toda a
tranquilidade daquele lar, estava já preparado para a minha caminhada. Ao longo
da rota, havia trechos do intrigante poema “Treze formas de olhar um melro”,
gravados em blocos de granito. Sempre preferi a leitura desse poema ao
contrário, da última estrofe para a primeira. Assim, iniciei com os versos da
13.ª estrofe (aqui já traduzidos por João Moura Junior):
“A tarde toda era um fim de tarde.
Nevava
E ia nevar.
O melro estava assentado
Nos galhos do cedro”.
A cada
passo, tentava absorver a essência do caminho. Vi o carteiro trazendo o mundo
para uma casa sem muros, um esquilo atravessando a rua, folhas multicores, a
relva e a calma. Não havia nada de extraordinário pelo caminho, mas, de
qualquer forma, sentia-me como um aventureiro que desbravava um novo mundo!
Pode parecer exagero, mas não. E não era pelo fato daquele ser o caminho que
Stevens percorria para o seu trabalho. Era pelo simples fato de que eu estava
totalmente imerso no caminho, como se cada folha e pedra me pertencesse, não da
forma como costumamos pensar em “propriedade”, mas um pertencimento atávico,
que me trouxe a lembrança do dia em que me perdi na minha própria rua onde eu
morava, criança que era, seguindo uma folha carregada pela chuva recém-caída...
Eis a poesia, voltar a ter olhos de criança...
E assim
cheguei, ao fim da jornada, com estes versos, a primeira estrofe:
A única coisa a mover-se
Era o olho do melro”
Sim, para
ser poeta, não é preciso ser grande, escalar as maiores montanhas em busca de
inspiração. Creio que basta focar o olhar no próprio quintal da alma, e encontrar o
mundo que lá existe...